Universidade Estadual de Ponta Grossa
Texto: ”As originalidades de Mello Moraes Filho”
Autora: Martha Abreu
1)Aspectos do autor: a autora inicia seu texto afirmando que Mello Moraes se dedicou prioritamente às festas e ao Divino em sua obra, Festas e tradições populares do Brasil, trilhando um caminho próprio e expressou uma especial visão das festas, das manifestações populares e da relação disso tudo com a construção positiva da nacionalidade, no final do século XIX, sendo um homem, antes de tudo, apaixonado por festas.Em sua obra de 1888, Moraes Filho, não teve a preocupação de registrar datas precisas das manifestações que narrou, mas na leitura de sua obra percebe-se que os limites cronológicos que estabeleceu retrocedem a meados do século, mais precisamente à década de 1850, onde estão situadas as memórias mais antigas do próprio autor que certamente teve acesso direto à atmosfera romântica e nativista a primeira metade do século XIX.Sua formação recebeu grande influência do pensamento dos intelectuais que, como seu pai, apesar de estarem preocupados com a história dos grandes feitos e com o encontro mítico entre os portugueses e os índios idealizados, não deixavam de procurar forjar as glórias da pátria, uma certa nacionalidade e um certo amor às coisas da terra, sendo que esse nacionalismo bem diferente dos tradicionais autores românticos da época. Moraes Filho tornou-se um escritor nas últimas décadas do século XIX, quando precisavam ser enfrentados os desafios das grandes transformações sociais brasileiras.Assim sendo obras literárias, históricas e ensaísticas forjaram, melhor dizendo, intensificaram, a criação de uma nova nação, pela ideologia da mestiçagem, a ser a marca da nossa identidade nacional.Esse pensamento cientificista vinha acompanhado das teorias sobre a inferioridade das raças não brancas e das culturas não-européias, trazendo uma série de discussões nos meios intelectuais sobre o futuro do Brasil.Moraes Filho, mesmo inserido neste mundo e dialogando com ele proporciona uma leitura singular do período, da mestiçagem e da festa.Apesar de priorizar o estudo do passado, revelou também aspectos do presente; apesar de procurar inventar uma nação em termos culturais, não escondeu seus conflitos e diferenças; apesar de reproduzir certas máximas racistas sobre os africanos, não deixou de se orgulhar de suas tradições e cultura, incorporando-as à nossa nacionalidade.
2)Contribuição da obra para o tema: o livro mais conhecido de Moraes Filho está dividido em quatro partes, sendo elas as Festas Populares, Festas Religiosas, Tradições e Tipos de rua.A autora do texto afirma que na primeira parte, encontra-se um grande número de festas religiosas, na segunda parte as festas religiosas não deixam de ter um caráter popular, tornando difícil à distinção entre elas.Na terceira, as tradições descritas dizem respeito predominantemente a momentos históricos passados, como o “episódio da regência” e numa perspectiva abolicionista, fatos relatando diversos sofrimentos dos negros na escravidão.A quarta e última parte é uma jóia sobre os heróis populares urbanos cariocas do passado.A realização de todo esse levantamento sobre festas, principalmente as religiosas, torna Moraes Filho num pioneiro no trabalho de registro intencional dessas manifestações culturais populares e, mais especificamente, negras, apesar da falta de rigor nas descrições e da presença de relatos impregnados de juízos de valor, deixando evidente a veia do poeta, o autor tornou-se uma referência futura constante para os estudos que sucederam o seu.Contudo em nenhum momento do livro autodenominou-se folclorista, sendo que foi um precursor de criar uma íntima ligação entre as diferentes manifestações culturais populares e a exaltação de “nossa nacionalidade”, entendida não mais através da imagem do indígena idealizado, mas fundamentalmente pela mistura de brancos e negros.
Moraes Filho foi original em registrar as festas religiosas e populares, inovador em procurar associá-las a uma suposta identidade nacional brasileira e foi ainda mais audacioso, em meio certas contradições e limites de seu próprio tempo.Desafiou os cânones científicos europeizantes, ao identificar positivamente a nação à mestiçagem e às tradições católicas.Sendo assim, na sua concepção, a festa, católica e popular, tornava-se o local de criação do “povo” que, formado pela união do português, do africano e do mestiço, era elogiado e valorizado em oposição a tudo que parecesse estrangeiro.A articulista do texto destaca que as descrições de Moraes Filho sobre as festas estavam marcadas por um indisfarçável saudosismo e idealização sobre o vigor das festas no passado, como também prognósticos nada animadores a respeito de seu futuro.Ironicamente, o folclorista que intencionalmente resgatava o passado com uma forte dose de pessimismo sobre o futuro, também deixava pistas do presente sobre as possibilidades de continuidade das manifestações populares e negras.
Assim, em Festas e tradições populares do Brasil, foram valorizadas as origens culturais e populacionais básicas formadoras do “povo” e assim determinou mais enfaticamente o local de criação e exercício do que concebia como identidade nacional, expressando-a, em termos raciais, na presença positiva dos mestiços e cablocos.Martha conclui que Moraes Filho em sua obra estudava o “povo”, nas efusões da alma, nas energias do sentimento, descrevendo os costumes, onde realmente vive a alma do Brasil da época.
3)As principais considerações a respeito da proposta do autor: a forma como Martha Abreu analisa obra e autor, é que ambos não se encaixam em nenhum modelo, rótulo ou definição estreita.Sem dúvida, poderia ser considerado um historiador memorialista, pois se dedicou a esse trabalho.Mas fez mais do que isto.Diante das teorias cientificistas, sem assumir-se como monarquista ou republicano, não foi completamente romântico, nem totalmente folclorista.A influência da formação religiosa no conjunto de suas idéias, pois se aproximava de uma tendência de pensamento católico também exaltador da nação, de suas expressões e singularidades, mas profundamente anticientifista, crítica do estrangeirismo e do indiferentismo religioso.Essa tendência difundia a existência da nacionalidade católica brasileira, inegavelmente associada à herança portuguesa e à incorporação positiva de negros, mestiços ou escravos numa só família, ao mesmo tempo católica e nacional.
A autora também cita que outro caminho pertinente para situar o pensamento do memorialista é procurar compreendê-lo na sensibilidade de um poeta abolicionista e de um homem que se alegrava com as manifestações populares consideradas nacionais pelo seu olhar patriótico.Era apaixonado pela cultura popular e, ao mesmo tempo, tornou-se seu revelador, desafiando cânones clássicos de sua época e as estratégias mercadológicas de qualquer historiador do presente que queira estudar a festa, pois ambos se misturam e interpenetram proporcionado à abertura de uma janela para o estudo da cultura popular, sem deixar jamais de ser um filtro daquelas manifestações.
4)Conclusão sobre o texto: Martha conclui seu texto afirmando que trabalhou com diferentes versões da festa e procurou confrontar as descrições das manifestações com os significados plausíveis para época.Apesar de toda a legitimidade proveniente da comparação entre as fontes utilizadas, Martha entende que se deva ir mais longe e considerar a versão nacionalista de Mello Moraes Filho como uma possibilidade de existência da própria festa.Ou seja, para ela, Moraes Filho não inventou uma tradição nacional completamente atemporal ou irreal; a sua idéia de nação era histórica e socialmente possível naquele momento.A união do “povo”, proposta pelo autor em termos étnicos, mas principalmente culturais, através das festas, danças e ritmos, não era completa, nem mesmo sua versão nacionalista.Encontrava limites na existência de um nível parcial de mistura cultural e populacional, onde, por exemplo, o batuque ainda era um sinal africano bem mais difícil de ser integrado.Então ao defender e propagar uma nação possível, e não apenas arbitrariamente unida daquele momento histórico, cresce a viabilidade de se considerar a versão de Moraes Filho como uma importante janela de festa, e, mais uma vez, de se resgatar a originalidade do autor dentro de seu contexto intelectual.Assim as festas do Divino, por exemplo, criavam um local de encontros e comunicação entre variados segmentos sociais e gêneros musicais.As pessoas que freqüentavam, apesar de suas diferenças e possíveis conflitos, tinham a oportunidade de compartilhar e intercambiar risos, movimentos, ritmos e danças variadas.Embora Moraes Filho privilegiasse a “decadência” da festa, havia sempre a possibilidade do público experimentar e inventar algo novo.Assim, se a prática de se intercambiar e confundir expressões culturais nas festas do Divino, como também nas festas populares religiosas, proporcionou inspiração para Moraes Filho criar uma certa tradição nacional, o autor não estava apenas delirando em terreno ideológico.
Então a autora do texto conclui que Moraes Filho pode ser visto como um dos primeiros teóricos desta aproximação, redefinindo positivamente a relação com a cultura popular, muito antes das décadas de 1920 e 1930, momento em que passaria a ser homogenia, definitiva e digna de orgulho a nacionalização das manifestações populares, especialmente suas festas, danças e ritmos.Martha finaliza, afirmando que, Moraes Filho, desta forma, voltava a ser especial em seu próprio tempo.
João Vinicius Bobek
2007

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